Arena de obras

04/05/2010 11:57

Pré-moldados, coberturas tensionadas, painéis reforçados com fibras, estruturas metálicas de cobertura. Veja os sistemas mais utilizados na construção dos estádios modernos


Por Rodnei Corsini

Steven Wilbrenninck Interbeton
O Soccer City Stadium, em Johannesburgo, possui uma estrutura esbelta em pré-moldados cobertos com painéis de concreto reforçado com fibras
Para sediar a Copa de 2014, o Brasil receberá jogos em 12 cidades diferentes, e estádios públicos e privados serão reformados ou construídos para atender às normas técnicas e de segurança e à dimensão do evento. Para isso, vão ser usados sistemas construtivos consolidados, como os pré-moldados, além de itens inéditos em estádios brasileiros, como as coberturas sobre todos os setores da torcida. Ao sediar pela segunda vez o maior evento de futebol do mundo, o Brasil já dispõe de estádios de porte para o evento, mas todos precisarão passar por reformas ou mudanças estruturais. Para a construção e ampliação de estádios de futebol, na maioria dos casos, prefere-se o uso de peças pré-moldadas em concreto de alta resistência. Não somente quando empregadas nas arenas esportivas, mas em qualquer obra, conferem mais agilidade à etapa estrutural. No caso dos estádios, os pré-moldados são especialmente adequados devido à geometria típica de suas construções. "O pré-moldado é um sistema usado especialmente em estádios porque as peças se repetem com muita regularidade", explica Eduardo de Castro Mello, sócio do escritório Castro Mello Arquitetos, especializado em arquitetura esportiva.

Segundo Marco Juliani, diretor da empresa de engenharia consultiva Ieme Brasil, não existe uma regra muito linear e clara que indique quando a adoção do sistema pré-moldado é mais favorável que a moldagem "in loco". Apesar disso, a altura dos estádios de futebol é outro fator contrário à moldagem feita no local definitivo da peça. "Para uma construção moldada 'in loco' são necessários escoramentos enormes para uma estrutura muito alta. Com o sistema pré-moldado, você tem uma economia grande nesse aspecto, sem necessidade de preparar um escoramento físico", analisa o engenheiro. Um ponto importante é que, na moldagem da peça pré-fabricada, deve ser considerado que a estrutura onde as peças serão empregadas vai receber uma carga dinâmica - caso de arquibancadas, pontes etc. - e não estática.

Castro
            Mello Arquitetos

Projeto do Estádio Nacional de Brasília prevê captação de luz solar para geração de energia e reaproveitamento de água pluvial

 

Divulgação: schlaich bergermann und partner
Estrutura da cobertura do estádio de Durban, na África do Sul: cabos tensionados por anéis de compressão
Por exigência da Fifa (Federação Internacional de Futebol), as partidas da Copa do Mundo precisam ser jogadas em arenas com toda a área da torcida coberta. No Brasil, até o momento não existe nenhum estádio que atenda a esse requisito, o que indica que a instalação de coberturas é um dos principais pontos de adaptação das arenas brasileiras. Montar coberturas em estádios já construídos não traz problemas para a obra. "A estrutura da cobertura é concebida de forma independente da estrutura da arquibancada", afirma Miriam Sayeg, coordenadora de projetos no Brasil da schlaich bergermann und partner, empresa especializada em cálculo estrutural.

 
 

Técnicas e tendências

 
 

Divulgação: Ieme Brasil
Vibrodina: equipamento de tecnologia italiana simula a dinâmica das torcidas para a análise estrutural do estádio
Para vencer os grandes vãos dos estádios de futebol, uma das técnicas mais viáveis é o uso de cabos tensionados. "Se fosse usada uma estrutura convencional, como treliça metálica, seria difícil fazê-la em balanço com um vão de 60 m. Então, é usada essa tecnologia de estruturas tensionadas em cabo que sustentam coberturas leves como membranas têxteis", descreve Castro Mello. A tecnologia funciona assim: há um anel de compressão na parte externa e, desse anel, saem cabos em direção ao centro da estrutura. Esses cabos vão se unir a outro anel central, um anel de tração. Esse anel central pode sofrer a tensão e segura a cobertura. A estrutura é comparada com uma roda de bicicleta. A execução dos cabos é feita depois que o anel de compressão já está pronto, onde eles são puxados até os pontos de fixação da cobertura. Os macacos hidráulicos são acionados com a mesma intensidade e levantam os cabos até que cheguem à posição final, onde serão fixados.

Há projetos que utilizam outras técnicas para a estrutura das coberturas. O primeiro projeto apresentado para a cobertura do estádio do Morumbi tinha como estrutura duas vigas transversais, que atravessavam toda a dimensão do estádio. Mas não foi levado adiante, por ser inviável. Atualmente, trabalha-se com um projeto para o Morumbi que também apresenta uma estrutura de cabos tensionados.

As estruturas para sustentação de coberturas de estádios são de aço. As membranas que formam a cobertura podem ser de diversos materiais têxteis ou policarbonato e até mesmo vidro. A escolha do material obedece a critérios estéticos e técnicos - como, por exemplo, o peso desejado das membranas sobre aquela estrutura. É possível também que os tetos das arenas esportivas empreguem uma tecnologia ainda mais avançada na instalação - coberturas retráteis. "Mas é preciso sempre prever a cobertura retrátil no início do projeto", lembra Miriam.

Os tetos retráteis funcionam com roldanas, cabos e mecanismos eletrônicos. Com eles, seria possível cobrir todo o gramado, e não somente a área dos torcedores. No Brasil, existe a possibilidade de estádios como o que será construído em Manaus ter esse recurso. Para a instalação de coberturas, retráteis ou não, também são feitas simulações em túneis de vento.

Fotos: divulgação: schlaich bergermann und
            partner
Estádio Moses Mabhida em Durban: cobertura em arco com 360 m de vão
Não são indicados impedimentos técnicos para a construção e reforma dos estádios brasileiros para a Copa de 2014, em comparação com as técnicas construtivas utilizadas no resto do mundo. O que pode se tornar uma dificuldade, como está acontecendo com os estádios da África do Sul, é o cumprimento dos prazos para as obras.

Além dos sistemas construtivos da arquibancada e da cobertura, outras tecnologias fazem parte importante das obras nos estádios, como a instalação dos sistemas de segurança - como câmeras para monitoramento - e de cadeiras antichamas. (Há uma exigência da Fifa para que os estádios tenham assentos em todos os setores.) Além disso, como muitos dos estádios que deverão ser utilizados na Copa já estão construídos, para garantir a segurança da estrutura em relação ao comportamento da torcida é preciso fazer monitoramentos especiais. De acordo com o resultado, alguns estádios podem ter que passar por adaptações.

Cargas dinâmicas

Muitos estádios brasileiros tiveram um bom funcionamento estrutural até alguns anos atrás porque o comportamento da torcida era mais estático, mais calmo. As estruturas desses estádios haviam sido calculadas para suportarem o peso do público como carga estática (5 kN/m2). Ao longo dos anos, com o advento das torcidas organizadas e com o uso dos estádios para shows de música, as estruturas passaram a sofrer maior impacto de cargas dinâmicas. Com isso, as construções começaram a apresentar problemas de vibrações excessivas, exigindo algumas adaptações. "Depois de um estudo adequado, pode ser feita uma adequação dentro de parâmetros econômicos bem viáveis", garante Marco Juliani, da Ieme Brasil.

Para fazer esse estudo de comportamento de estruturas, a empresa utiliza um equipamento italiano chamado Vibrodina, que faz parte de um sistema com sensores e software de análise de vibrações que vão ser usados para analisar os dados. O Vibrodina em si é um aparelho mecânico gerador de vibrações. Ele aplica cargas dinâmicas em uma estrutura, segundo determinados parâmetros de força e frequência, semelhante ao comportamento do público. A análise dessa simulação indica se a estrutura está adequada ou se precisa de um reforço ou de alguma reforma.

O Vibrodina foi usado amplamente para análise estrutural de estádios na Copa do Mundo de 1990, na Itália. Um estudo do projeto da obra indica os pontos para instalar o equipamento para melhor representar o comportamento da torcida. Os sensores e acelerômetros medem o comportamento da estrutura. O resultado pode exigir adaptações nas construções como a instalação de amortecedores especiais, como ocorreu nos estádios do Morumbi e do Pacaembu no início dos anos 2000. "Em ambos os casos o objetivo foi aumentar o grau de amortecimento interno da estrutura de forma a eliminar efeitos de ressonância das arquibancadas sob ação das torcidas", afirma o engenheiro Fernando Brucoli, gerente da Gerb, empresa que forneceu os amortecedores usados na adequação.

Arenas sustentáveis

Fotos: divulgação schlaich bergermann und
            partner
As membranas tensionadas estão na maioria dos estádios construídos nos últimos anos
Os estádios-sede da Copa de 2014 vão utilizar muitas das mesmas técnicas empregadas nas construções e reformas dos estádios da África do Sul. Mas uma novidade é que alguns projetos, até o momento, têm embutidos recursos para que as arenas sejam estádios sustentáveis. Segundo Castro Mello, essa pode ser uma das principais marcas da Copa de 2014. "O foco principal é a questão da sustentabilidade. Talvez seja um pouco mais caro construir isso na hora mas, com o tempo, é ver o bem que isso vai trazer para os estádios, as ecoarenas. A Fifa quer que os estádios atinjam o nível mínimo do Leed. Queremos atingir o grau Silver, um pouco acima do mínimo". Leed (Leadership in Energy and Environmental Design) é um certificado internacional para edificações sustentáveis e ecologicamente amigáveis. Para atingir a certificação, os estádios precisam contar com captação de água pluvial para seu reaproveitamento na irrigação do campo e para uso nas bacias sanitárias e na lavagem de piso, por exemplo. Outro recurso para a sustentabilidade é a captação de energia solar. Essa energia pode abastecer o próprio estádio e seu excedente pode ser vendido para a rede.

Se as ecoarenas forem colocadas em prática, o Brasil será o primeiro País a organizar uma Copa do Mundo com a bandeira da sustentabilidade. Mais do que procedimentos técnicos, é preciso que as construtoras, os arquitetos e os investidores estejam alinhados com essa filosofia, que também quer ser estendida aos hotéis e aeroportos que vão movimentar o evento.

Fotos: divulgação schlaich bergermann und
            partner
A água da chuva que escoar pelas membranas é coletada por uma calha no anel de compressão
Outro ponto levado em conta nas construções e reformas de estádios é torná-los arenas multiuso, como legado ao País. O atual projeto de cobertura do Estádio do Morumbi prevê um lado com cobertura mais extensa, em que o isolamento de um setor no local poderia ser feito para eventos que não requeiram a capacidade total do estádio. A importância em pensar o estádio como uma arena multiuso é que, depois de serem construídos para receber grandes eventos como a Copa do Mundo, os estádios poderiam ficar com grande capacidade ociosa se fossem destinados somente aos jogos de futebol.

Soccer City Stadium, Johannesburgo

 
 

Fotos: divulgação: schlaich bergermann und
            partner
Painéis usados para a cobertura e fachada têm cores e texturas diferentes e simulam um vaso artesanal africano
A cobertura do estádio que vai receber o jogo de abertura e a final da Copa do Mundo foi projetada pelos consultores em engenharia estrutural da schlaich bergermann und partner sob o comando do engenheiro Knut Göppert. O Soccer City Stadium foi inspirado em um calabash, o tradicional vaso artesanal africano. Ele é o maior estádio do continente, com capacidade para 94.000 espectadores. A fachada foi composta por um arranjo de painéis de seis cores e três texturas diferentes.

A partir das imagens e ideias dos arquitetos, a empresa desenvolveu a estrutura para a enorme cobertura e fachada, em interação com os engenheiros das estruturas de concreto das arquibancadas, projetadas pela PDNA, de Johannesburgo. A geometria da cobertura e da fachada tem um diâmetro exterior de 300 m que foi definido por várias seções radiais.

A abertura da cobertura e das treliças que envolvem o estádio segue o formato retangular do campo e da disposição das arquibancadas. As geometrias combinadas criam uma estrutura curva tridimensional. A treliça espacial de 800 m de comprimento, com suas três cordas de seções circulares, é revestida por painéis de policarbonato e é apoiada por 12 shafts de concreto e por 16 colunas.

A treliça em balanço da cobertura tem dimensões de 38 m sobre as arquibancadas. Os balanços estão revestidos por membrana em PTFE (Politetrafluoretileno), suportada por arcos na parte superior e uma membrana em tela em PTFE na parte interna. As estruturas de cobertura com membranas do estádio Soccer City são suportadas por um arranjo de arcos de disposição radial.

A esbelta estrutura em casca da fachada, concebida como uma viga curva em aço, é suportada por colunas de concreto inclinadas e fixadas na parte superior do anel de treliça. Os painéis reforçados de concreto e fibra de vidro têm 13 mm de espessura e dimensões de 1,2 m x 3,6 m.

Ficha técnica

Cliente: Cidade de Johannesburgo
Engenheiros estruturais:
cobertura e fachada: schlaich bergermann und partner, Stuttgart
estruturas de concreto: PDNA, Johannesburg
Arquitetos:
Boogertman and Partners (Bob van Bebber/Piet Boer), Johannesburgo
Engenheiros de análise de vento:
Wacker Ingenieure, Birkenfeld
Construtores:
principal: JV GLTA/Interbeton South Africa/Holanda
construtor principal da cobertura: Cimolai, Pordenone/Itália
construtor da membrana: Hightex, Rimsting /Alemanha
painéis de concreto com fibra de vidro: Rieder, Áustria
Projeto:
abril de 2006 a fevereiro de 2010
Capacidade:
94.000 lugares
Quantidade de aço:
9.000 t
Área da cobertura:
membrana superior: 23.000 m² de PTFE/vidro (Politetrafluoretileno/Teflon)
membrana inferior em tela: 25.000 m² de PTFE/vidro
membrana vertical em tela: 2.000 m² de PES/PVC (Polietersulfônica)
cobertura translúcida: 12.000 m² de policarbonato de espessura 12 mm
área de fachada: 35.000 m² em painéis de concreto com fibra de vidro

Moses Mabhida, Durban

 
 

Fotos: divulgação: schlaich bergermann und
            partner
Estrutura curva, em aço, usada para receber a cobertura e a fachada montada com painéis
Como parte do programa de redesenvolvimento da Cidade de Durban, o estádio foi projetado para criar um ícone para a região da segunda maior cidade da Africa do Sul. O projeto é de autoria dos arquitetos da gmp-von Gerkan, Marg und Partner, de Berlim, dos engenheiros estruturais da schlaich bergermann und partner, de Stuttgart, e da BKS.

O escopo de trabalho dos engenheiros estruturais incluiu a engenharia de montagem, a verificação dos desenhos e os levantamentos de fabricação, a supervisão da obra e o gerenciamento técnico para o processo de licitação.

A arena multiuso com capacidade de 85.000 lugares tem uma estrutura de cobertura única, com 46.000 m² de membrana em PTFE pré-tensionada sobre uma malha de cabos. A malha de cabos é tensionada contra dois anéis de compressão ao longo do perímetro do estádio e uma grande estrutura em arco de 103 m de altura e 360 m de distância entre as fundações, cuja forma é inspirada na bandeira sul-africana.

A estrutura da membrana exigiu uma densa malha para suporte dos cabos para minimizar o tensionamento da membrana, constantemente sob influência dos ventos fortes originados pela proximidade da costa.

A forma e o conceito estrutural da cobertura do estádio captam 75% das águas de chuva por meio de uma calha localizada no anel de compressão. A água remanescente é primeiramente conduzida em direção ao anel de tensão, antes de ser naturalmente redirecionada ao anel de compressão nas áreas sob o arco.

A instalação dos painéis em membrana seguiu os critérios do projeto estrutural, que se baseou nos dados locais sobre os ventos predominantes. Devido à forma aberta da cobertura durante a sua instalação parcial, as sobrecargas de vento e as tensões na membrana foram mais altas do que em sua forma final. Diversos estágios de construção da cobertura, incluindo as etapas de instalação da membrana, foram verificados em túnel de vento.

Ficha técnica

Cliente: Cidade de Durban
Engenheiros estruturais:
cobertura: schlaich bergermann und partner, Stuttgart
estruturas de concreto: BKS Durban, África do Sul
Arquitetos:
gmp Architekten, Berlim
Engenheiros de análise de vento:
Wacker Ingenieure, Birkenfeld
Construtores:
principal: JV WBHO/Group 5
principal da cobertura: Pfeifer Seil und Hebetechnik, Memmingen
subcontratado para membrana: Birdair, Buffalo
Projeto:
março de 2006 a novembro de 2009
Capacidade: 70.000 lugares (54.000 assentos temporários serão substituídos após a Copa do Mundo por instalações para conferências)
Área da cobertura:
39.000 m² (projeção vertical), 46.000 m² (área de membrana)
Estruturas metálicas:
2.860 t o arco principal, 2.700 t para o anel de compressão e colunas
Estruturas de cabos: 550 t